04 May 2024

Publicado em TITO COSTA
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23/06/2012

Nos tempos do Grupo Escolar, na minha doce Torrinha, tínhamos como vizinha bem próxima a Padaria do Menegon e no quintal dela um burrico que relinchava nas horas de nossas aulas. A molecada, sempre maliciosa, fazia a provocação de um colega para o outro: ele está te chamando. Pois o burrico, ou jumento, ou o jegue lá no Nordeste, é o copulador da égua de cujo conúbio nascem as mulas e os burros que são estéreis.  Caprichos da natureza.
Na minha infância circulava de mão em mão um livro chamado "Memórias de um burro" que tratava do sofrimento desse pobre animal destinado a suportar os mais duros trabalhos, como verdadeiro "burro de carga". Da adolescência, registro na memória as obras da construção dos aterros para a passagem da estrada de ferro, nos chamados avança-mentos, da saudosa Companhia Paulista de Estradas de Ferro, verdadeira perfeição como empresa, orgulho de São Paulo e dos paulistas, infelizmente devorada e sucateada pela política  no Brasil direcionada  ao transporte rodoviário, mais oneroso, mais sujeito a acidentes, comparativamente mais improdutivo em relação às linhas férreas com composições de 30, 40 ou mais vagões recheados de cargas.
Os avançamentos eram os tais aterros para cuja formação eram transportadas toneladas de terra em carrocinhas puxadas por burros que a  levavam por um trajeto de ida e volta com  precisão milimétrica, despejando o material no lugar certo, sem ajuda de tropeiro ou condutor. Nesses aterros, já bem compactados, eram plantadas as linhas de ferro fixadas sobre dormentes de madeira para duração sem prazo de validade. E assim o burrico tornou-se personagem na história do trem, veículo encarregado por décadas  de transportar riqueza, especialmente o café em sua fase áurea da produção em terras paulistas.
O escritor e jornalista francês Gilles Lapouge produziu verdadeiro ensaio sobre o jegue, submisso e glorioso, resignado e irredutível, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em   10/06/2012. Lembra ele que o jumento serviu de montaria para Cristo em sua entrada triunfal em Jerusalém, dias antes de sua morte. Dizem que Jesus marcou o dorso do jumento com um sinal da cruz que na França é conhecido como "Cruz de Santo André". E diz Lapouge que ficou emocionado ao encontrar nos jegues do Nordeste o mesmo sinal da cruz. Acrescenta  que a História Sagrada está repleta de jumentos. A Bíblia o cita 133 vezes, sabendo-se que foram montados por judeus da mais alta sociedade, inclusive damas. Na França o poeta Francis James escreveu uma oração para eles pedindo que ao chegar a sua hora, "fazei Deus, que seja num dia de festa quando pegarei meu bastão e direi aos jumentos que vou para o Paraíso. Que eu apareça diante de Vós entre esses animais que tanto amo porque baixam a cabeça docemente".
Até que compensa, aos jumentos e a nós, com a esperança de chegar ao Céu, ser "burro de carga" nesta terra  de tantos sofrimentos.

Tito Costa é advogado, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex- deputado federal constituinte de 1988. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

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