03 May 2024


Carta ao meu poeta Manoel de Barros

Publicado em TITO COSTA
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Escrita em São Bernardo para Campo Grande, em 13 de novembro de 2014.
Meu amigo Manoel de Barros:
Escrevo-lhe no dia de sua morte, aí em Campo Grande, longe de Cuiabá, de onde veio. Mas vou adiantando que para mim você não morre. Bem, até que pode morrer, mas sua poesia vai ficar porque ninguém fez versos ou prosa como você. Logo que eu soube, corri para a sua “Gramática Expositiva do Chão”, com esta terna dedicatória: “Ao meu querido amigo Tito Costa, com um afetuoso abraço do Manoel de Barros. Em 22.3.96.” Almoçamos juntos aí em Campo Grande com nosso amigo Renato Graeff aquele gaúcho de “Não Me Toques”, morando aí na cidade Você nunca botou essa cidade de nome curioso em seus versos. - Não gostou? Ah, sim, porque ela não está nas quebradas do seu Pantanal!
O noticiário de sua morte veio cheio de citações de seus poemas, mas é impossível citar os melhores porque todos são melhores. Quer ver: “O azul é muito importante na vida dos passarinhos”, ou “grilos não têm serventia para o silêncio”, ou “vaga lumes driblam a treva”, ou ainda, como se lobisomem existisse, você arrisca um palpite: “houve até quem tenha visto ele, pois o vento que sopra na folha pode que seja”.  Você disse também que “Minhocas arejam a terra. Poetas, a linguagem”. Isto porque poetas olham a vida, os homens, as coisas, com lentes coloridas.
Manoel, você morreu, dizem os jornais, com 97 anos, perto dos 100. Bem que você lembrava que “a gente só chega ao fim quando o fim chega! Então pra que atropelar?”. Mas você bem que podia atropelar pra ficar um pouco mais com a gente, falando de insetos, sapos, rãs, tartaruga, rios cheios de curvas e de mistérios, como só mesmo um privilegiado como você, seria capaz de escrever.  Já me disseram, e eu acho que com razão, que você é o Guimarães Rosa na poesia.  Sei que você não gostava da aproximação, mas que a prosa de ambos, ninguém sabe prosear tão bem, isso digo eu, sem medo de errar.
Escute, Manoel. Tenho de parar por aqui, senão eu choro. Mas lembro a você o meu Rio Taló de que lhe falei naquele almoço em Campo Grande. Foi o rio da minha meninice, em Torrinha, cortando um pedaço da cidade pelos lados da linha do trem. Nadando nele, a gente se deliciava na grandura de suas águas.  Escuta: me esquecia de mandar um abraço a seu amigo Bernardo, que morreu com você, mas vai continuar vivo porque você o faz viver em cada página. E a gente a ouvir “os escutamentos de Bernardo”, ele que “só pelo olfato descobria as cores do amanhecer”.  Para ele, “o sol transborda nas estradas e no olhar das seriemas”.  E mais: “sapos com rio atrás de casa atraem borboletas amarelas”. Se você inventou o Bernardo, esteja certo de que ele passou a existir, e como! Pois você mesmo disse que ele “é homem percorrido de existências”.
Manoel, receba de novo me adeus e a esperança de nosso reencontro não sabemos onde, nem como, nem quando, mas que haverá, isso haverá. Seu amigo triste, Tito Costa.
Mas, houve sim, o reencontro. Em sessão recente de poesias e textos seus recitados pela atriz Cassia Kis numa noite no teatro no edifício da FIESP, Avenida Paulista em São Paulo. Chovia a cântaros na cidade, o que não impediu que o teatro ficasse lotado e seus textos fluíam pela voz e na bela interpretação dessa notável atriz. Foi uma noite de encantamento nesse meu reencontro de saudade com o poeta, Manoel de Barros, sua poesia contidos na beleza e na graça da voz da atriz que a interpretou.

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